Petróleo e dados
Muitas vezes ouvimos que os dados são o novo petróleo. Mas essa comparação é enganosa: o petróleo é um recurso escasso; já os dados existirão enquanto houver vida humana. Como lembra o sociólogo Sérgio Amadeu, os dados foram transformados em mercadoria, e essa mercadoria está concentrada nas mãos das grandes plataformas digitais.
Essas empresas, com seus algoritmos de aprendizado de máquina, não apenas registram nossos hábitos: elas predizem nossos desejos futuros e moldam nossas escolhas. Para aumentar esse controle, somos vigiados constantemente por câmeras, sensores e sistemas que extraem informações do nosso cotidiano e as entregam, de mãos beijadas, às big techs.
O resultado é alarmante: a vida humana está sendo apropriada pela conversão em dados. Como afirma o pesquisador Michael Kwet, trata-se de uma nova face do colonialismo digital, um processo em que a riqueza imaterial gerada por populações inteiras reforça a dependência tecnológica e o imperialismo global.
As receitas e lucros das plataformas digitais são espetaculares, e passam a ideia de que prestam serviços gratuitos à sociedade. Na verdade, entregamos nossos comportamentos, padrões de consumo e preferências íntimas. Isso concentra poder econômico e político nas mãos de poucos conglomerados, que controlam mercados de propaganda, manipulação de opinião, influência cultural.
Diante disso, o Brasil tenta reagir. Em agosto de 2024 o Governo Federal apresentou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). O plano prevê investimentos de até R$ 23 bilhões e a aquisição de um dos cinco supercomputadores mais potentes do mundo. O objetivo declarado é posicionar o país como protagonista global na área e garantir que a IA desenvolvida aqui esteja alinhada às nossas demandas sociais, culturais e econômicas.
A iniciativa é importante: precisamos de soberania tecnológica para não nos tornarmos apenas fornecedores de dados para impérios digitais estrangeiros. Mas o desafio é imenso.
Ou o Brasil assume de fato o controle sobre seus dados e tecnologias, ou permaneceremos como colônia digital, explorados pela extração invisível daquilo que temos de mais humano: nossas informações, nossa intimidade e nossa própria vida.
Instituto Telecom, Terça-feira, 07 de outubro de 2025
Marcello Miranda, especialista em Telecom