Nossa Opinião: Semicondutores e terras raras

Os semicondutores são fundamentais para o funcionamento hoje em dia de quase todo tipo de aparelho ou equipamento e cruciais em diversos ramos da indústria e das relações na sociedade. No entanto, sua produção é muito concentrada em poucos países, o que acarreta riscos para o Brasil, que também não aproveita devidamente o potencial econômico dessa pujante cadeia produtiva.
A fim de tratar do panorama internacional do setor e debater mecanismos de estímulo às empresas nacionais, o Clube de Engenharia do Brasil realizou um evento com especialistas e profissionais da área, em que foram levantadas propostas para incrementar as políticas públicas.
O Clube recebeu o professor da PUC-RS do TecnoPUC, Adão Villaverde, que apresentou um panorama dessa indústria no mundo todo. Ele mostrou que essa produção é dividida em três fases: projetos, front end (produção física) e backend (encapsulamento). Essa cadeia deve movimentar até 2030 mais de US$ 1 trilhão por ano, mas poucos países dominam esse mercado.
Durante a pandemia, a mídia difundiu bastante a questão da concentração da produção de chips em Taiwan, cujas empresas detêm cerca de 70% dessa produção, o que deixou a indústria no mundo todo em polvorosa, em 2020, numa crise causada pelas paralisações que a Covid acarretou, quando faltaram estes dispositivos no mercado.
No cenário traçado pelo professor, em que os semicondutores já ocupam a quarta posição no comércio global, há um “rearranjo das cadeias produtivas”, com maior disputa entre os países por participação nas diferentes fases da cadeia produtiva.
A chamada “guerra do chip” já começou e envolve principalmente os Estados Unidos e os países asiáticos. Os americanos tendem também a criar parcerias com países latino-americanos para incentivar a desconcentração.
Mas o Brasil não está totalmente alheio à disputa.
Recentemente, o governo federal iniciou a revitalização da fábrica de chips estatal Ceitec, em Porto Alegre (RS), e vem implementado a Lei 14.968/24, conhecida como Programa Brasil Semicon, que substituiu o antigo Padis (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores e Displays). Ela prevê a concessão de incentivos fiscais e apoio financeiro para atrair investimentos, estimular a pesquisa, desenvolvimento e fabricação de chips no país e já deu seus primeiros passos. Há a previsão de destinação de R$ 186,6 bilhões em recursos públicos e privados para o setor. É uma iniciativa transversal ao programa da Nova Indústria Brasil (NIB), que tem entre suas missões a transformação digital e o incentivo à transição energética, que tem forte afinidade com o uso de semicondutores. Editais da FINEP também procuram incentivar a pesquisa e desenvolvimento no segmento.
Com os investimentos de cerca de R$ 220 milhões de reais já liberados pela Finep/FNDC na retomada da fábrica da Ceitec na produção de chips, e de iniciativas de empresas brasileiras como Zilia e Tellescom, manifestações de interesse de construir acordos comerciais e tecnológicos já vêm surgindo junto a fabricantes chineses e malaios, de forma a reforçar a possibilidade concreta de um desenvolvimento sustentável de uma cadeia de produção de chips no país.
Nas palavras do professor Adão Villaverde, “atualmente, sem chips, não há transformação digital soberana no país”.
Ele ressaltou ainda o fato de o território nacional ser rico em minerais estratégicos, os terras raras, com a segunda maior concentração mundial desses elementos, que são utilizados na fabricação de semicondutores.Essa riqueza natural é mais um motivo para o país desenvolver essa indústria tecnológica, agregando muito mais valor às matérias-primas extraídas do subsolo.
O professor Villaverde defendeu a mineração dos terras raras com rastreabilidade socioambiental. Segundo ele, o Brasil deve fazer um estudo rigoroso de quais materiais intensivos em semicondutores importa e estudar suas zonas ou nodos tecnológicos, para avaliar com base em evidências técnico-científicas quais produzir localmente e quais importar.
E com isso, estabelecer um polo de produção nacional, que poderá entregar um grau de soberania ao país nesse importante segmento de produção mundial.
Instituto Telecom, Terça-feira, 21 de outubro de 2025
Márcio Patusco, engenheiro