PL do streaming propõe fim de restrições à propriedade cruzada na TV por assinatura
O novo relatório do Projeto de Lei 8.889 de 2017, que regulamenta o streaming, traz em seu bojo uma proposta que pode reconfigurar o mercado de televisão por assinatura no Brasil. O texto do relator, deputado Doutor Luizinho (PP/RJ), propõe a revogação dos artigos 5º e 6º da Lei 12.485 de 2011, a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC). Essa mudança elimina as restrições à integração vertical na cadeia de valor da TV paga.
Atualmente, a Lei do SeAC impede que empresas de telecomunicações, que distribuem os pacotes de TV, controlem produtoras ou programadoras de conteúdo, e vice-versa. Da mesma forma, produtoras e programadoras são proibidas de controlar distribuidoras. A revogação desses artigos permitiria que um mesmo grupo econômico atue em diferentes elos da cadeia, como produção, programação e distribuição.
A justificativa para a mudança, segundo o parecer do relator, está na profunda transformação do mercado audiovisual. O texto argumenta que, enquanto os provedores de streaming atuam com total liberdade vertical, as empresas nacionais de SeAC enfrentam limitações que “perderam sentido econômico e passaram a criar assimetria regulatória prejudicial à competitividade”. O relatório cita o Relatório Final do Grupo de Trabalho do SeAC (GT-SeAC), elaborado pelo Ministério das Comunicações, que aponta que as restrições atuais limitam a participação cruzada e proíbem que distribuidoras de TV por assinatura adquiram direitos de imagem de eventos de interesse nacional para veiculação.
O parecer reforça sua posição ao mencionar uma recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a eliminação dessas restrições, com o objetivo de “possibilitar eficiências econômicas e a adaptação do setor às novas demandas”.
Salvaguardas
Para mitigar os riscos concorrenciais que a revogação poderia acarretar, como a formação de monopólios ou o fechamento de mercado para produtores independentes, o substitutivo estabelece salvaguardas. O texto propõe a criação do artigo 6º-A na Lei do SeAC, determinando que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Cinema (Ancine), no âmbito de suas competências, deverão avaliar a concentração de mercado e os potenciais impactos sobre a concorrência e os consumidores.
Conforme a proposta, as agências reguladoras deverão analisar os riscos decorrentes de fusões e aquisições entre empresas de telecomunicações e concessionárias de radiodifusão ou produtoras e programadoras. Também será objeto de análise a aquisição de direitos de eventos de interesse nacional ou a contratação de talentos artísticos por parte das empresas de telecomunicações. As avaliações produzidas pela Anatel e pela Ancine deverão ser enviadas ao Congresso Nacional e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
A proposta representa uma mudança de paradigma na regulação do setor. A eficácia da medida em fortalecer os agentes nacionais sem prejudicar a diversidade de conteúdo e a livre concorrência dependerá da implementação rigorosa dos mecanismos de fiscalização por parte das agências reguladoras e do CADE.
Assimetria Regulatória
A proposta de desregulamentação da TV por assinatura vai em encontro do novo conjunto de obrigações impostas aos serviços de streaming e até mesmo a fabricantes de hardware, que passam a contar com regras até aqui existente apenas no SeAC.
Este novo regime começa com a exigência de um credenciamento formal junto ao órgão regulador, o que sujeita as plataformas à fiscalização e sanções. Elas também passam a ter a obrigação de prestar informações detalhadas sobre suas operações e faturamento, visando maior transparência e o combate a práticas anticoncorrenciais.
Além disso, o projeto impõe aos serviços de streaming a obrigação de carregar, sem custos, uma plataforma unificada de comunicação pública, garantindo a visibilidade de canais estatais em seus catálogos. Essa regra de “must carry”, tradicionalmente aplicada à TV paga, é agora estendida ao ambiente digital. De forma ainda mais abrangente, a regulação avança sobre os fabricantes de dispositivos eletrônicos, como smart TVs e celulares, que serão obrigados a garantir acesso direto à plataforma pública e aos aplicativos de canais abertos em suas interfaces iniciais.
Fernando Lauterjung, Teletime, 27 de outubro de 2025




