Ainda estão aqui nos jardins murados
Segundo o jornal Valor Econômico, o titulo do filme “Ainda Estou Aqui” reverbera muitas possibilidades – “Rubens e Eunice ainda estão aqui, mesmo depois de suas mortes. Mas, talvez, o que ainda esteja de fato aqui, em muitos aspectos, seja o Brasil do ‘passado’, ainda tão presente com seus rasgos, contradições e violências”.
No campo das telecomunicações, dizemos nós, é possível identificar traços de contradições e violências no Brasil de hoje.
Contradições e violências que podem ser interpretadas como exclusão, ódio, ignorância, que explodem nos jardins murados.
Uma parcela enorme da nossa população vive dentro dos jardins do ódio e da ignorância. Sem acesso amplo à internet, consideram que estar no Whatsapp ou no Facebook significa estar conectada. Na verdade, o que acontece é a formação de bolhas de trocas de mensagens nas quais a alienação, a ignorância, o ódio e as fake news fortalecem uma realidade distorcida.
Afirma a Coalizão Direitos na Rede (CDR): “A partir do final de 2014 as operadoras passaram a anunciar que os planos até então em vigor sofreriam alteração de forma que, esgotada a franquia antes do final do mês contratual, o acesso à Internet seria bloqueado”. Com isso, passaram a obrigar o consumidor a comprar mais créditos sob pena de terem o acesso bloqueado. As únicas portas garantidas de acesso passaram a ser via Facebook e Whatsapp, prática denominada de zero rating (taxa zero). Que de zero ou gratuita não tem nada.
A partir da vigência do Marco Civil da Internet, contudo, os planos com a previsão de corte do fornecimento associados ao zero rating, e com o tratamento discriminado do tráfego de determinadas aplicações (Facebook, Instagram, Whatsapp, TikTok entre outros), passaram a ser ilegais. Mas continuam a ser praticados.
Para 55% dos internautas, conforme pesquisa da Quartz, realizada em 2023, internet é sinônimo de Facebook. E esses “jardins murados” não significam somente limitações de acesso a Internet, mas de fruição de diversos direitos que dialogam com a cidadania.
Para a democratização das (tele)comunicações temos que derrubar esses jardins da exclusão digital. Temos que extinguir esse aprisionamento de enormes parcelas da sociedade. O fim do ódio, da ignorância, das fake news passa também pelo acesso pleno às informações, à possibilidade de maior educação cidadã, maior senso crítico, questionar pontos de vista consolidados como verdades. Portanto, o fim dos jardins murados faz parte da redemocratização do Brasil. Os traços da ditadura brasileira não terminaram em 1985. Eles ainda estão aqui.
Instituto Telecom, Terça-feira, 19 de novembro de 2024
Marcello Miranda, especialista em Telecom