SDE abre investigação contra Ecad por formação de cartel

jul 19, 2010 by

Desde que foi criado, há 37 anos, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) é alvo de polêmicas e disputas judiciais. Responsável pela arrecadação dos direitos autorais na exploração de obras musicais no Brasil, o Ecad “patrulha” desde boates até emissoras de rádio e TV, controlando o uso público das músicas. O trabalho é imenso: de acordo com dados do próprio Ecad, cerca de 72 mil boletos são emitidos anualmente para a cobrança de direitos autorais.

Mas agora, o choro de milhares de empresários que usam a reprodução de músicas em seus negócios ganhou status de “denúncia” concorrencial, acolhida recentemente pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão antitruste do Ministério da Justiça. A SDE decidiu investigar as associações que controlam o Ecad por suspeita de formação de cartel, praticando preços abusivos com a intenção de limitar a concorrência no mercado de arrecadação de direitos autorais.

Esta não é a primeira vez que o Ecad é alvo de acusações no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Processos anteriores já questionavam o suposto monopólio exercido pelo escritório na arrecadação dos direitos de exploração musical. O ineditismo da investigação da SDE está no fato de, agora, o órgão estar sendo indiciado por um crime efetivo contra a concorrência. Basicamente, o raciocínio atual da equipe do Ministério da Justiça é de que o monopólio seria resultado de uma prática anticoncorrencial (cartel) e não porque a Lei de Direitos Autorais (5.988/73) definiu que a arrecadação caberia a uma única entidade, o Ecad.

A Lei nº 5.988 tem sido usada com frequência para justificar a concentração do mercado nas mãos do escritório, administrado por seis associações ligadas ao mercado musical – UBC, Socimpro, Abramus, Amar, SBacem e Sicam. De fato, a legislação estipula que os direitos pela exploração pública de músicas no Brasil devem ser arrecadados por um único escritório. A SDE investiga neste momento se realmente há um cartel formado pelas associações que controlam o escritório, que estaria conquistando e dominando o mercado e abusando dessa posição dominante por meio da fixação de preços considerados excessivos pelo órgão antitruste.

Ação da ABTA

A denúncia aceita pela secretaria foi apresentada pela Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), já que seus associados também fazem parte do rol de pagadores de direitos autorais sobre obras musicais.

O Ecad cobra linearmente 2,5% do faturamento bruto das operadoras de TV por assinatura pela exploração de músicas nesse ramo. A diferenciação dos perfis dos canais (de música, jornalísticos, esportivos, etc) serve apenas para a distribuição do total arrecadado pelo escritório.

Na denúncia apresentada, a ABTA sugere ainda de que a política de arrecadação praticada pelo Ecad também instigaria “negociações ilícitas”. Um exemplo desse tipo de negociação seria o pagamento de emissoras de rádios por artistas para que suas músicas sejam veiculadas mais vezes e, portanto, recebam um valor maior na distribuição dos direitos coletados pelo escritório. A prática ficou conhecida pelo jargão de “jabá”.

Cartel

O principal aspecto que será investigado é a polêmica tabela de preços fixada pelos associados que controlam o Ecad e o método usado para a fixação dessas cotas de cobrança. Na denúncia recebida, a ABTA acusa o escritório de praticar preços abusivos e desconectados da realidade do mercado. Na visão da SDE, há claro indício de que os preços cobrados pelo escritório têm potencial para causar dano à sociedade. Caso seja condenado, o Ecad e as associações que o controlam podem ser multados em até 30% de seu faturamento bruto.

A discussão que agora será levantada pela SDE traz fatores que podem gerar um desfecho diferente do atingido por outras ações contra o Ecad. Por duas vezes o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) inocentou o escritório em denúncias de abuso de poder econômico. Em uma das vezes, o Cade arquivou o processo por entender que o tema “direitos autorais” não faz parte do escopo da defesa da concorrência. Na outra, o tribunal concorrencial não constatou o abuso denunciado.

A diferença do processo atual é que, desta vez, há uma verificação clara da existência de indícios de uma prática anticoncorrencial efetiva, que vai além do fato de o Ecad ser monopolista no mercado de arrecadação. A secretaria entende que o monopólio exercido pelo escritório realmente é legítimo, mas que haveria problemas na condução do órgão pelas associações com perfil típico de cartelização.

Onde está o problema

Na prática, o abuso de poder e impedimento à entrada de novos concorrentes estariam em prováveis barreiras à constituição de novas associações representativas de artistas e outros beneficiários dos direitos autorais recolhidos. Além disso, a existência de um monopólio legal do Ecad não daria o direito às associações que o controlam de fixar preços iguais para a cobrança dos direitos, como ocorre hoje.

O Ministério da Cultura, em sua manifestação prévia no processo, também demonstrou desconforto com a política adotada atualmente pelo Ecad. Para o Minc, é incompreensível a tabela fixada pelas associações, pois o sistema desconsidera as peculiaridades de cada uma das obras musicais.

Na interpretação inicial da SDE, apresentada em nota técnica, os responsáveis pela investigação são incisivos em dizer que o método aprovado pelas associações pode afetar concretamente as relações comerciais nesse mercado. “Há fortes indícios nos autos de que a prática investigada cause significativas distorções econômicas no mercado, prejudicando o bom funcionamento das forças de demanda e oferta”, analisam.

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