Indústria de propriedade intelectual ataca software livre

mar 2, 2010 by

Software livreSaiu dia 23 de fevereiro no The Guardian, escrito por Bobbie Johnson, especialista em tecnologia, um texto criticando o relatório da International Intellectual Property Alliance (IIPA), associação da indústria de propriedade intelectual dos EUA, que recomenda retaliação contra a Indónésia pela decisão de seu governo de recomendar o uso de software livre nos órgãos públicos e empresas estatais. Uma das prioridades da IIPA no Brasil, este ano, de acordo com o mesmo relatório, é combater a elaboração de leis para que os órgãos públicos usem software livre.

Veja a tradução:

A International Intellectual Property Alliance (IIPA), uma associação guarda-chuva de diversas organizações, incluindo a Motion Picture Association of America (MPAA) e a Recording Industry Association of America (RIAA), representantes dos grandes estúdios e gravadoras dos EUA, solicitou ao US Trade Representative (órgão análogo a uma secretaria de comércio exterior) que considere a possibilidade de incluir países como a Indonésia, o Brasil e a Índia em sua lista “Special 301 watchlist” porque esses países usam software de código aberto.

O que é o Special 301? É um relatório que investiga a “adequação e eficácia dos direitos de propriedade intelectual” ao redor do planeta – na verdade, nos países que o governo estadunidense considera inimigos do capitalismo. Ele é usado, com frequência, como uma maneira de pressionar países em torno de questões comerciais – normalmente a respeito de medicamentos e produtos pirateados – para tentar forçar governos a mudarem suas políticas.

Agora, pode-se argumentar que não é surpreendente que o USTR – de quem se espera que encorage a liberdade de mercado do capitalismo – nunca seria favorável ao software livre, mas as coisas não são bem assim.

Sei que há uma tendência de ligar o código livre com ideais socialistas, mas acho que ele é, também, um exemplo prático de como funciona o livre mercado. Quando empresas não podem enfrentar imensos, poderosos competidores, elas correm por fora e buscam outra maneira de reduzir custos, a fim de poder competir. A maior parte dos programas em código livre não é estatal: apenas leva a tese de elasticidade de preços a sua conclusão lógica e usa a gratuidade como uma arma para enfrentar seus competidores (você seria capaz de acusar o Google, que oferece uma porção de serviços gratuitos, de ser uma empresa anticapitalista?).

Mesmo assim, em países onde o governo cria leis para a adoção de software livre, a posição (da IIPA)faz sentido, porque essas leis atingem o negócio de empresas como a Microsoft. Mas este não é o final da história.

O dado realmente interessante descoberto por Andres Guadamuz, professor de Direito na University of Edinburgh, é que o IIPA está pedindo para o governo dos EUA basicamente considerar software livre como equivalente a pirataria. Ou pior. Ele descobriu que, no entender da IIPA, um governo não precisa aprovar ou decretar uma lei para sofrer retaliações. Basta recomendar o uso de software livre.

Por exemplo: no ano passado, o governo da Indonésia divulgou uma circular para todos os seus órgãos e empresas estatais, para estimular o uso do software livre. Isso, afirma o IIPA, “encoraja os órgãos públicos de governo a adotar Free Open Source Software”, com uma perspectiva de completar esta implantação até o final de 2011, o que, a circular afirma, vai resultar no uso legítimo de software livre e de código aberto e em uma redução do custo total do uso de software pelo governo”.

Nada errado com isso, certo? Afinal, até o governo britânico afirmou que vai ampliar o uso de software livre.

Mas a IIPA sugere, em seu relatório, que a Indonésia merece o status Special 301 porque encorajar (não obrigar) esta alternativa “enfraquece a indústria de software” e “falha no sentido de estimular o respeito pelos direitos de propriedade intelectual”.

Diretamente do relatório da IIPA:

“A política do governo da Indonésia… simplesmente enfraquece a indústria do software e mina sua competividade no longo prazo, ao criar uma preferência artificial pelas empresas que oferecem software livre e serviços relacionados, negando inclusive acesso de muitas empresas legítimas ao mercado governamental.

Em vez de criar um sistema que permita aos usuários usufruir da melhor solução disponível no mercado, independente do modelo de desenvolvimento, encoraja uma maneira de pensar que não dá a devida consideração ao valor das obras intelectuais.

Assim, falha na construção do respeito pelos direitos de propriedade intelectual e também limita a liberdade dos clientes do setor público (por exemplo, empresas estatais) de escolher as melhores soluções.”

Vamos deixar de lado o fato de que o relatório não considera que existem muitos empreendimentos criados em torno do software livre (RedHat, WordPress, Canonical, prá começar). Além disso, fico espantado com o fato de que alguém possa concluir que a simples recomendação de softwares de código aberto – que podem ser melhor adaptados às necessidades do cliente sem infringir nenhuma regra de licenciamento — “mina” qualquer coisa.

Na verdade, a vigilância em torno dos direitos de propriedade intelectual é, muitas vezes, ainda mais séria na comunidade de software livre, e aqueles que infringem direitos ou não dão créditos devidos são, com frequência, expostos ao escárnio.

A versão em inglês do artigo está aqui: http://www.guardian.co.uk/technology/blog/2010/feb/23/opensource-intellectual-property

Para concluir: no capítulo do relatório do IIPA dedicado ao Brasil, seus autores afirmam que um dos seus principais objetivos, no ano de 2010, é “evitar legislações que obriguem órgãos públicos ou empresas estatais a usar software livre”.

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